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03/04/2023
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Geral
Leitura: 4 minutos

Fundo Dema inicia formação política sobre a defesa da água enquanto bem comum

Por Élida Galvão

Atividade realizada pelo Fundo Dema marca o mês que celebra a água enquanto bem comum e direito universal; Foto: Élida Galvão

“Água: Bem Comum Livre de Mineração” é o tema do curso de formação voltado ao diálogo da água enquanto direito, realizado pelo Fundo Dema aos projetos apoiados pelo Edital Territórios Livres de Mineração, atualmente em vigência por meio do Fundo Socioambiental Barcarena e Abaetetuba.

O primeiro módulo do Curso ocorreu durante os dias 10 e 11 de março, na Chácara No Limite, em Barcarena (PA), reunindo representantes de 12 associações comunitárias apoiadas pelo Fundo Dema e cerca de 20 lideranças comunitárias. Entre os/as convidados/as estiveram Caroline Rodrigues da Silva, educadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) no Rio de Janeiro; Jean Carlos Silva, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM); Jaqueline Alves, dos Atingidos por Barragens (MAB) e Ricardo Aires e Thaís Isabelle, representantes do coletivo Guardiões do Bem Viver, que atua pela defesa do território, na região do Baixo Amazonas (PA).

Durante a roda de conversa, Caroline Rodrigues expôs que há algum tempo o setor de água e saneamento vem sendo assediado com mais força pelo mercado. Prova disso, segundo ela, é a mudança na legislação do saneamento brasileiro, que passou por uma modificação significativa com o novo Marco Regulatório do Saneamento, em 2021, durante o governo Bolsonaro.

Mais de dez associações comunitárias apoiadas pelo Fundo Dem estiveram representads durante encontro de formação. Foto: Élida Galvão

“A mudança dessa Lei é uma expressão dessa tendência de mercadorização das águas no Brasil. E isso afeta o setor do saneamento. É uma perspectiva muito distinta dessa relação da água como bem comum que a gente vem tentando fortalecer, desenvolver com as comunidades e territórios que estão aqui reunidos no curso. É necessário entender que o que acontece em Barcarena e Abaetetuba é parte de uma dinâmica de olhar a água como mercadoria e que isso tem se traduzido em muito conflitos por água na América Latina”, disse Caroline.

Ainda de acordo com a educadora, é importante desconstruir a ideia de que a relação com a água deve ser pautada em um serviço mediado pelo pagamento de dinheiro. “Essa perspectiva já está sentando na cabeça das pessoas da cidade, mas as pessoas do campo, da floresta tem uma outra relação com a água. A gente precisa construir processos políticos nas comunidades para que a água passe a ser um bem comum, porque todos estão vivendo o problema de contaminação das águas por diversos minérios, por responsabilidade de empresas transnacionais, internacionais. Precisamos mudar uma cultura política por meio da educação popular, por meio de processos organizativos”. Carol também chama a atenção para a desigualdade hídrica. “Olha o tanto que uma mineradora usa de água e o quanto nós utilizamos. Os problemas de crise hídrica no país devem-se ao modelo de desenvolvimento expropriador, e parte disso se deve ao mito de que o Brasil é o país das águas e a Amazônia é uma região que mais concentra essa água. A água está entrando em um processo para a ser uma commoditie. Hoje, a manutenção sobre as águas é uma luta também de enfrentamento das mudanças climáticas, pela manutenção da terra e do território”, conclui.

Defensores/as dos bens comuns

Morador da comunidade Bom Sossego e membro da Associação dos produtores de Hortifrutigranjeiros (APH), Teodorico Gomes, comenta sobre a importância em fortalecer a luta em torno da água enquanto direito universal, relacionando esta causa a outras lutas sociais.  “Aqui retornamos a uma reflexão de que precisamos transformar em uma ação concreta a defesa da água enquanto bem comum. Não é só a água, mas a qualidade da água, a qualidade da moradia, isso tudo é que vai nos permitir ter uma qualidade de vida melhor e que vai garantir a saúde das pessoas. Esse momento do encontro foi bom para eu saber que não estou sozinho nesta luta”.

Rosicleia Ferreira, à esquerda, relata as ameaças do capital no quilombo do N. Sra, do Bom Remédio, em Abaetetuba. Foto: Élida Galvão

Relatando o aliciamento de grandes empresas relacionadas ao agro-hidro-mineronegócio sob sua comunidade, a liderança no quilombo N. Sra. do Bom Remédio, localizado às margens do Rio Açacu, em Abaetetuba (PA), Rosicleia Silva Ferreira, afirma que o Protocolo de Consulta tem sido um meio importante para a atuação da comunidade frente às ameaças territoriais. “Quando o crédito de carbono chegou no território, não permitimos que ele entrasse na comunidade. Reagimos com base no Protocolo de Consulta, para que a gente possa abordar esse tipo de coisa, porque a partir da hora que eu assino o crédito de carbono dentro da minha comunidade, aceitando, eu tou perdendo a autonomia do território”.

Para Rosicleia, a defesa do território também está relacionada à defesa da água. “Eu sou pescadora, ribeirinha e quilombola. E sendo uma mulher negra, sofro duas vezes com a violação de direitos pelas empresas que invadem nosso território. Eu quero ter o direito de tomar meu açaí, de pular na água sem que ela esteja contaminada, pois precisamos da água para tudo, seja na alimentação ou como meio de transporte, porque a gente só chega em Abaetetuba por meio do rio, que é a nossa rua. Na comunidade, a gente vê muitas pessoas adoecerem por não termos uma água de qualidade para tomar”, afirma.

Ricardo Aires diz que a defesa dos bens comuns não pode ser isolada, deve ser uma luta coletiva e participativa. Foto: Élida Galvão

Compartilhando a experiência dos Guardiões do Bem Viver, no território do PAE Lago Grande, em Santarém, Ricardo Aires, destacou a articulação massiva dos comunitários do território contra as ameaças do capital, com destaque à ação da mineradora ALCOA, localizada no município de Juruti, ao fim da localização do PAE. “No nosso território existe um sentimento de pertencimento com o rio, considerado um bem sagrado. Entendemos que a luta em defesa do território não podia ser isolada. Em parceria com a FASE iniciamos um programa de formação em direitos territoriais, onde passaram a participar muitos jovens. Com isso, conseguimos fazer a primeira Romaria do Bem Viver, articulando em comunidade por comunidade, chegando a reunir cerca de mil pessoas”, relatou.