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05/10/2022
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Geral
Leitura: 5 minutos

Cadernetas Agroecológicas fortalecem a autonomia das mulheres amazônidas

Por Élida Galvão

O Seminário do Baixo Amazonas dialogou sobre a experiência das cadernetas agroecológicas com mulheres da região

Reunidas em Santarém (PA), cerca de 30 mulheres agricultoras, agroextrativistas, pescadoras, ribeirinhas participaram do Encontro Regional de Mulheres do Baixo Amazonas, que acorreu nos dias 22 e 23 de setembro, no auditório do Seminário São Pio X, com objetivo de dialogar sobre a produção e a visibilidade trabalho das mulheres por meio do uso das Cadernetas Agroecológicas enquanto instrumento político-pedagógico que contribui para a promoção da autonomia das trabalhadoras camponesas.

A realização do Seminário foi a culminância do projeto piloto com o uso das Cadernetas Agroecológicas, iniciada em abril de 2021 pelo Fundo Dema e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), nas regiões do Baixo Amazonas, com integrantes do Fundo Autônomo de Mulheres Luzia Dorothy do Espírito Santo (FLDES), e do Nordeste Paraense, especificamente com mulheres quilombolas.

As ações em Santarém alcançaram mulheres de quatro municípios, incluindo organizações locais que integram o FLDES, entre elas: Associação das Mulheres Trabalhadoras do Município de Belterra (Amabela); Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Santarém (AMTR); Associação de Mulheres Agricultoras Familiares de Mojuí dos Campos (Flores do Campo); Associação de Mulheres de Terra Santa (As Flores).

De acordo com Suelany Sousa, educadora do Fundo Dema, inicialmente foram realizadas inúmeras reuniões de planejamento e articulação e posteriormente ocorreram oficinas para a apresentação das cadernetas às mulheres, bem como a compreensão quanto à metodologia de monitoramento. Além disso, as oficinas oportunizaram não só diálogos em torno da produtividade e trocas de experiências, como a adubação orgânica, a utilização de ervas medicinais, visitas a quintais agroecológicos, intercâmbios, calendários de produção, mas também diálogos políticos, como o combate à invisibilidade de seus de seus trabalhos e o combate à violência contra a mulher.

Durante o Seminário, as mulheres reuniram informações sobre as produções em seus quintais

“O Encontro Regional de Mulheres do Baixo Amazonas encerrou essa etapa do projeto, de apresentação das Cadernetas Agroecológica às mulheres, para que elas passassem a perceber o valor de seu trabalho, a visibilizar e mensurar sua produção; também para que construíssem sua autonomia financeira fortalecendo a soberania alimentar e nutricional, além de fortalecer suas organizações e se auto-organizarem. A exemplo, mulheres de Serra Grande, na região de Ituquí, em Santarém, que constituíram seu grupo a partir de encaminhamentos da primeira oficina das cadernetas, construiu sua horta comunitária e começaram a trabalhar com derivados de mandioca. Elas Já vendem seus produtos em mercados. Através das anotações também foi possível perceber, mesmo não tendo o hábito da anotação, que geram uma renda monetária e uma renda não monetária que vai além das anotações de consumo, doação, troca ou venda”, analisa a educadora.

Para a agricultora Sileuza Nascimento, que mora no município de Mojuí dos Campos, a Caderneta Agroecológica vem contribuindo na percepção do quanto o trabalho dela contribui para o sustento da família. “A Caderneta Agroecológica tem sido muito importante para o controle da produção. Estamos fazendo o registro de tudo o que a gente produz, consome, doa e vende. A gente passou a ter uma visão melhor da quantidade que a produz e consome e o quanto que a gente ajuda a família por meio da venda”, diz.

“Eu já consigo fazer o monitoramento de tudo o que eu faço, tudo o que eu colho, troco, vendo. Eu me vejo na caderneta e a caderneta passou a me ver. Pra mim foi um pontapé inicial para incentivar cada mulher que acha que não é capaz”, destaca Rosilda Batista, de Terra Santa.

Segurança Alimentar e Nutricional

Na região do Baixo Amazonas aproximadamente 120 mulheres já passaram por capacitação, destas 77 estão sendo monitoradas. Para além da mensuração do quantitativo de produção das mulheres, a Caderneta também desvela o hábito saudável de alimentação das famílias a partir do consumo do que é produzido no quintal de casa. O que antes era dispensado enquanto excedente nos quintais, agora pode ser visto como uma possibilidade de ampliação da renda familiar a partir da venda e garantir a segurança alimentar de muitas outras famílias.

Além de proporcionar autonomia econômica, o registro das produções explicita o fortalecimento da segurança alimentar e nutricional

Assim ocorreu com Eliana Batista, da comunidade Nazário, localizada na região do Arapiuns, em Santarém. “Passei a enxergar a produção do meu quintal a partir da Caderneta Agroecológica, pois eu pensava que não produzia nada. Depois que eu comecei a anotar eu consegui ver o quanto eu economizo e o quanto deixei de gastar, melhorando a minha situação financeira e a minha situação na alimentação com produtos da agroecologia, com produtos naturais, orgânicos. Também consegui enxergar melhor a minha produção. Eu pensava que produzia só o que produzia com meu marido, mas não. No meu trabalho cotidiano, no meu quintal tem muita produção, desde hortaliças, plantas medicinais, frutíferas, ornamentais, tudo eu produzo, então tudo isso eu passei a ver quando comecei a anotar”, relata.

Nordeste Paraense

Ao fim de setembro, o Fundo Dema realizou a última oficina de monitoramento das Cadernetas Agroecológicas na região do Nordeste Paraense, com a participação de 34 mulheres quilombolas. As atividades foram realizadas nos dias 28, 29 e 30 de setembro, respectivamente nos territórios quilombolas de Camiranga, no município de Cachoeira do Piriá; Mariana, no município de Viseu e Jacarequara, no município de Santa Luzia do Pará.

A programação contou com visitas a quintais produtivos, além da aplicação de dois instrumentos metodológicos de apoio à sistematização das Cadernetas Agroecológicas, entre os quais, o questionário individual, para traçar o perfil socioeconômico das mulheres, e o calendário agrícola dos territórios, baseado nos itens de consumo, doação, troca e venda. Na região do Baixo Amazonas aproximadamente 40 mulheres foram capacitadas e 30 estão sendo monitoradas.

No Nordeste Paraense, mulheres quilombolas incentivam outras a realizar o monitoramento de suas produções.

“Esses instrumentos vão ajudar a fazer uma análise dos registros. A gente busca visibilizar a questão da Segurança Alimentar e Nutricional, a diversificação nos quintais produtivos. Uma coisa importante é que as mulheres expandiram o uso caderneta em outros quintais. Inicialmente tinha um grupo pequeno e outras companheiras vieram depois”, comenta Suelany.

De acordo com Carmelina Reis, de Jacarequara, além de proporcionar aprendizado e valorizar o trabalho das mulheres, o envolvimento com as Cadernetas Agroecológicas aproximou outras mulheres, com as quais compartilharam a metodologia de registro de suas produções. “Além das oficinas proporcionadas pelo Fundo Dema, tomamos a iniciativa de fazer mais uma oficina e acabamos agregando outras mulheres. A gente se reúne para ver como cada mulher está fazendo o monitoramento”

Autonomia econômica

Rosimeres Serejo, de Mariana, destaca que a partir dos registros em sua Caderneta observou que por vezes sua produção foi maior em comparação com a de seu esposo, fortalecendo a sua autonomia econômica e garantindo o sustento de sua família. “Quando chega no final do mês eu vejo que muitas vezes a minha produção foi maior do que o do meu companheiro. Aqui no meu quintal de tudo a gente tem um pouco e se eu fosse buscar no comércio, no supermercado, eu acho que eu não ia conseguir comprar tudo isso que eu consumo aqui do meu quintal”.

Suelany Sousa, educadora do Fundo Dema, acompanha as mulheres no registro e sistematização dos dados.

Moradora da comunidade Serra Grande, na região do Ituquí, em Santarém, Rivonete dos Santos diz que “Quando chega no final do mês, a gente vai fazer uma soma e até fica surpreendido com o valor tão alto do que a gente produziu. O que a gente come, o que a gente dá, o que a gente vende, que a gente empresta deve ser valorizado na nossa agricultura e a gente passa despercebido. Com a Caderneta fomos a ver que nós temos sim como sobreviver através da nossa produção”, avalia.