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11/09/2015
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Notícias
Leitura: 7 minutos

Conferência sobre financeirização da natureza debate as contradições da nova economia verde

Por Élida Galvão

Fundo Dema


Economia verde, REDD, financeirização da natureza, desenvolvimento sustentável, energias renováveis são termos que a todo momento se ouve falar, mas quem nem sempre se entende bem o que querem dizer. Porém, apesar da pouca compreensão sobre estas questões, constantemente os noticiários narram as preocupações de cientistas, de diversos setores da sociedade e também dos movimentos sociais, quanto ao aquecimento global, à emissão de gases poluentes na atmosfera, a poluição dos rios, os altos índices de desmatamento, entre outras questões relacionadas ao meio ambiente. Com o foco nesta temática, no período de 24 a 27 de agosto, a Fundação Heinrich Böll realizou, em parceria com diversas organizações, entre elas a Federação de Órgãos da Assistência Social e Educacional (FASE) e o Fundo Dema, a Conferência Latino-Americana sobre Financeirização da Natureza, ocorrida em Belém (PA), reunindo cerca de 100 participantes.

Com o propósito de observar as distintas realidades de comunidades impactadas por projetos de desenvolvimento que beneficiam apenas os mercados globais – com base na exploração dos recursos naturais em territórios onde se pratica a agricultura familiar -, durante os dois primeiros dias do encontro, os participantes se dividiram em quatro caravanas, destinadas a Barcarena, Abaetetuba, Igarapé-Miri e, Acará e São Domingos do Capim, para que a partir daí pudessem problematizar as questões em torno dos eixos transversais à temática central de discussão.

As caravanas proporcionaram trocas de experiências com comunidades diretamente atingidas pela financeirização da natureza. Foto: Vânia Carvalho

De acordo com Maureen Santos, em entrevista à Radio Mundo Real, a escolha pela Amazônia, enquanto cenário para a realização da conferência, se deu em razão de a região ser considerada um espaço emblemático de lutas sociais em territórios atingidos por um modelo de desenvolvimento devastador e excludente. “Cada uma dessas regiões tem alguns elementos em comum, como por exemplo, o avanço do monocultivo da palma africana, que vem devastando o território da Amazônia. Você tem experiências de introdução da agroecologia em comunidades quilombolas. Algumas lutas de resistência por demarcação de território, não só indígena, como também pela luta de reconhecimento do território quilombola. Tem experiências de pagamentos por serviços ambientais, especialmente nas regiões das ilhas perto de Abaetetuba, onde a economia verde vem trazendo esse espectro mais visível. Tem várias experiências de mineração também da indústria extrativa por conta do alumínio mais na região de Barcarena, e também por conta da Vale do Rio Doce, que é uma empresa brasileira que está ali na região de Acará, pra produção de carvão vegetal pra biodiesel. Então tem diversos elementos e impactos que estão acontecendo nesses três territórios”.

Reunindo militantes de países como Equador, Costa Rica, México, Uruguai, Chile, Nicaragua, Colômbia, Peru, El Salvador, Honduras e Paraguai, além do Brasil, a conferência buscou relacionar os acordos e incidências globais sobre a natureza, bem como a sua mercantilização e os impactos disso nos territórios da América Latina, considerando a fragilidade das populações e povos tradicionais que estão na base deste processo e que sofrem as piores consequências. “Este é um momento também das organizações da América Latina e dos movimentos nas comunidades que estão nesses outros países da região, também levarem as suas experiências e trocar com outras comunidades. A ideia da caravana é uma ideia não de visita, mas de começar os debates da conferência ali, pra que esses elementos possam se conectar com outros elementos e representantes das lideranças”, complementa Maureen. 

Conectando as experiências

Ao retornar a Belém, os integrantes da Conferência estiveram reunidos por mais dois dias no auditório do Hotel Beira Rio. Entre as temáticas abordadas, foram levantadas questões em torno do mercado de carbono, Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB) e de diversos outros meios e negociações oficiais que se dão no Brasil e no mundo para legitimar o crescimento econômico e a estabilização financeira por meio da exploração dos recursos naturais e bens comuns.

D. Creuza, 73 anos, recebe participantes da conferência em sua casa, localizada às margens do Rio Meruú, na comunidade Mamangal Grande, em Igarapé-Miri. Foto Élida Galvão


O debate em torno da financeirização da natureza revela muito mais do que importante na discussão de resistência e de promoção de alternativas. Para Camila Moreno, por exemplo, integrante do Grupo Carta de Belém, o processo de financeirização da natureza está mais naturalizada no cotidiano das pessoas do que se pensa. Chamado de ‘codificação dos intangíveis’, justamente por ser um processo que não se consegue tocar, ver ou cheirar, ele entra com facilidade no universo das mercadorias e da circulação internacional do capital. Um exemplo concreto disso no campo são as sementes transgênicas.

“No campo, os campesinos têm as sementes e aí é melhor produzir as sementes más. Mas ali não é semente, porque ali estão os royalties que tem que pagar às empresas. Isso já é um pensamento super complexo para discutir (…). A linguagem econômica foi dirigida como a forma mais fácil comunicar com a gente quais são os problemas que estamos atravessando enquanto coletivo. E aí entra toda uma farsa que vai justificar uma série de inovações, de mecanismos. Aí entram os REDDs, as compensações da biodiversidade, entram os pagamentos por serviços ambientais; tudo isso que é absorvido pelas políticas públicas no sentido de se modernizar e também é reproduzido nas universidades de uma forma absolutamente acrítica”, analisa Camila.

Capitalismo verde

Analisando a apropriação da natureza a partir de uma reorganização tecnológica, produtiva e geográfica do capitalismo, Luiz Zarref, do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), destacou dois elementos fundamentais onde o chamado capitalismo verde tem se destacado. O primeiro, segundo ele, se materializa no agronegócio e na utilização excessiva de agrotóxicos, já que a destruição da terra incita mudanças tecnológicas de forma a intensificar a produção de commodities. “No contexto de uma economia em crise, de onde virá esse recurso? Uma parte, obviamente vai vir de Estados-nação, a outra parte vai vir do capital financeiro via capitalismo verde. O dinheiro que está vindo por meio dessa grande ideia do carbono, dos serviços ambientais, está entrando para intensificar o agronegócio, para fazer essa transformação tecnológica que eles precisam fazer”, diz.

Grupo observa a expansão do monocultivo de dendê na região de Acará. Foto: Vânia Carvalho


O outro elemento a ser destacado, de acordo com Zarref, é a renda da terra, a partir do pagamento a comunidades tradicionais para que a manutenção de áreas compense o desmatamento que causam. “Aqui no Brasil isso tem se dado via código florestal. A partir desse código se diz que cada hectare de floresta no Brasil pode ser transformado em uma cota de reserva ambiental, que é um título financeiro que foi criado há três anos no código florestal brasileiro. E a partir disso, um latifundiário que está produzindo mil hectares de soja sem um palmo de árvore, de proteção de nascente, de reserva legal, ele pode ir na bolsa de valores e comprar essa cota de reserva ambiental. Mas antes dessa cota – aí temos a virtualidade comandando a materialidade – é necessário construir uma imensa base de dados no território brasileiro. Nós estamos passando por esse processo muito aceleradamente no Brasil, de mapeamento georeferencial de todas as propriedades, sem nenhum lastro fundiário, sem nenhuma comprovação se a terra é sua ou não. O que interessa nessa sociedade é se tem floresta ou não tem floresta. Vamos mapear onde tem floresta e vamos criar uma grande governança sobre os territórios. Quem é que tem esses softwares? Quem é que tem esses dados? Os grandes aparelhos de hegemonia do capital internacional do ambientalismo. São as grandes ONGs internacionais criando esse mapeamento. E aí você com base virtual e com legalização por conta do código florestal, você cria um grande mercado em que você vai comercializar a terra do ponto de vista virtual e sem laço fundiário. O capitalismo verde é uma reorganização do capital e que tá beneficiando eles [donos de agronegócio]. Não é só imobilização do território, é alavancagem do capital. Tem uma lógica do capitalismo verde para nos imobilizar e nos subordinar, entrando nas nossas comunidades ingenuamente, fazendo assessoria para reorganizar as nossas estruturas”, conclui. 

E o que o Fundo Dema tem a ver com isso?

Enquanto parte integrante de um sistema ambiental que envolve uma dimensão ecológica, social, econômica e política, a agricultura familiar, além de meio de subsistência, protagoniza planejamentos e ações de políticas públicas para a segurança alimentar e erradicação da fome no mundo inteiro.

De acordo com o relatório da Organização da Nações Unidas (ONU) publicado em 2014, a agricultura familiar é responsável por cerca de 80% de todo o alimento consumido no planeta. No Brasil, segundo o Ministério de Desenvolvimento Agrário, ocupando 84% das propriedades rurais, ela é responsável pela maioria dos alimentos que chegam à mesa, como o leite (58%), a mandioca (83%) e o feijão (70%).

Empregando pelo menos cinco milhões de famílias no País – que exploram a floresta de forma sustentável, contribuindo para a preservação do ecossistema –, a agricultura familiar vai na contramão da monocultura e do agronegócio, que só consegue deixar como herança gravíssimos problemas sociais e ambientais.

No retorno a Belém, os participantes relatam a experiência vivenciada nas caravanas e debates a mercantilização da natureza. Foto Élida Galvão


Por compreender a importância de estabelecer equilíbrio na relação do homem com a floresta, o Fundo Dema luta pela garantia da sociobiodiversidade a partir do uso sustentável dos recursos naturais. O apoio a projetos socioambientais de povos indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, ribeirinhas e da agricultura familiar, que vem realizando há 12 anos, se dá especificamente no Oeste do estado do Pará (Transamazônica, BR 163 e Baixo Amazonas), um território marcado por grandes contrastes sociais e conflitos ambientais.

Em 2015, o Fundo Dema contabiliza cerca de 250 projetos executados, beneficiando mais de dez mil famílias em 23 municípios atendidos. Diversas são as linhas temáticas apoiadas, como: agroecologia, segurança alimentar, manejo florestal comunitário sustentável, entre outras, com o objetivo de contribuir para que os povos da floresta e comunidades camponesas possam garantir a vivência por meio da conservação e do uso sustentável da biodiversidade, intervindo, também, no enfrentamento das mudanças climáticas por meio da manutenção da floresta em pé.


Veja fotos da conferência

Assista o vídeo produzido durante a realização da Conferência e editado por integrantes da Rádio Mundo Real.