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23/02/2017
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Notícias
Leitura: 6 minutos

Encontro preparatório ao FSPA debate a conjuntura brasileira e os impactos para a Amazônia

Por Élida Galvão

Fundo Dema


Como mais uma oportunidade de debater a conjuntura do país, o comitê local do Fórum Social Panamazônico (FSPA) promoveu a roda de conversa ‘A Crise (política e econômica) e seus impactos na sociedade civil brasileira’. A atividade ocorreu na última terça-feira (21), no auditório da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) – Amazônia, em Belém (PA), reunindo representantes de diversas entidades dos movimentos sociais.

Com objetivo de levantar reflexões preparatórias ao FSPA, que este ano será realizado ao fim de abril, na cidade de Tarapoto, no Peru, o debate contou com a participação de Gunter Volz e Olaf Lewerenz, pastores da Igreja Luterana Alemã, localizada em Frankfurt. Em visita à capital para conhecer instituições que desenvolvem trabalho social, como o Instituto Universidade Popular (Unipop) – que, assim como a FASE, integra o comitê local do Fórum -, ambos foram convidados a participar da atividade, onde tiveram a oportunidade de compartilhar a realidade do país em que vivem e saber um pouco mais sobre a situação política, social, econômica e religiosa do Brasil, frente à crise instaurada.

Iniciando o diálogo sobre a conjuntura brasileira, Guilherme Carvalho, coordenador do Programa Fase Amazônia, apresentou um panorama sobre a realidade do país diante da ofensiva do capital, principalmente aos territórios da Amazônia, e as ameaças reforçadas pela crise no Brasil. Para ele, o papel da Amazônia está muito bem definido no cenário internacional, o de continuar satisfazendo os interesses de grupos políticos econômicos por meio da exportação de recursos naturais e da expropriação de territórios.

Gunter Volz e Olaf Lewerenz trocam informações com militância brasileira sobre distintas realidades sociais  

“Tem uma lógica de integração inserindo a Amazônia de forma subordinada ao mercado internacional, como exportadora. A tendência de tudo é se agravar. A Avaliação que se faz hoje é que mesmo com essa crise profunda, esse processo de exploração e expropriação da Amazônia vai ampliar porque os grandes grupos econômicos vão tentar ganhar em escalão o que estão perdendo em preço, já que o preço das commodities está muito baixo, o minério está muito baixo”, analisa.

De acordo com o historiador, os últimos governos assumidos no Brasil aprofundaram essa situação por meio dos grandes projetos de infraestrutura, que favoreceram e ampliaram um processo de expropriação dos territórios de povos indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais. “Nós vamos ter uma situação de grave crise econômica e social, com a Amazônia participando ainda mais ativamente do mercado de exportação de commodities a preços muito baixos. Do ponto de vista estrutural não muda nada. Pelo contrário, se aprofunda. A curto prazo não se vê possibilidade de reversão desse processo. O que acontece hoje é que aquilo que já estava sendo feito por governos anteriores, está sendo feito com o uso intensivo e extensivo da violência, com a completa destruição dos direitos sociais, com a completa destruição da Constituição Federal”, diz Guilherme.

Luta das mulheres

Membro Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense, Nilde Souza destacou a necessidade de o feminismo se articular com novos coletivos sociais para fortalecer o enfrentamento ao sistema patriarcal, machista e racista em que se vive. “Nessa questão da resistência diante do golpe é importante para o feminismo começar a se articular de forma internacional, para fazer frente a esses ataques que as mulheres sofrem no mundo, fazer frente ao ataque do fundamentalismo, que hoje está nos vários espaços de poder, estão dentro do congresso, dentro do judiciário, nas escolas, no executivo. A luta contra esse fundamentalismo que recoloniza nossos corpos e mentes”.

Movimento negro

Debatendo a resistência das comunidades quilombolas, José Galiza, representante da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu) diz que na atual conjuntura as comunidades têm sentindo bruscamente a retirada de direitos anteriormente conquistados. “Agora tudo está sendo cortado, principalmente daqueles que mais precisam e a gente sentiu esse impacto. A nossa principal bandeira de luta tem sido o reconhecimento fundiário dos territórios quilombolas. A bancada ruralista tem tentado retirar nossos direitos para isso. Os grandes empreendimentos só vêm para atingir as populações tradicionais. Cada empreendimento retira uma parte do território e as comunidades começam a ficar sem espaço para a produção”, desabafa.

Representantes do movimento negro destacam as diversas violências enfrentadas

Sendo uma das fundadoras do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), Nilma Bentes considera que a questão do negro, e também da mulher, são estruturantes e na sociedade brasileira. Para ela, a análise sobre as investidas capitalistas na Amazônia, desde os tempos da colonização, deve levar em consideração as populações que estão à margem do desenvolvimento exploratório.

“A região Amazônica recebe o colonialismo interno, e isso não acontece somente do ponto de vista das commodities, mas das pessoas também. As análises macro não levam em conta as populações. Existe uma discriminação fenotípica, da aparência física. Em um período de crise quem sofre mais são os segmentos mais vulnerabilizados na sociedade, no caso, negros e mulheres. Muitas meninas que vêm servir de empregada doméstica nas cidades vêm de quilombos. É um pouco chocante ver a naturalização com que a população negra absorveu esse mau tratamento. É preciso persistir com o processo de formação para estimular a população negra a gostar de ser negra”, pontua Nilma.

Questão indígena

Abordando a luta indígena na Amazônia, Marquinho Mota, representante do Fórum da Amazônia Oriental (Faor), destaca que por serem muito ricos em biodiversidade, como ouro, madeira e água, os territórios indígenas são vistos como um potencial de geração de renda a empresas do setor. Com a exploração e expropriação concedidas pelo próprio Governo Federal, a exemplo de Belo Monte e mais recentemente Belo Sun, para ele, há dois grandes problemas quanto à questão. O primeiro está relacionado à demarcação dos territórios, pois, apesar de diversos estudos realizados, os interesses corporativos sobre as terras indígenas prevalecem. “O Governo não demarca ou quando demarca o faz muito pouco e não homologa. Os indígenas vão lá e fazem a autodemarcação no seu território”, salienta.

A incidência dos interesses de grandes empresas nos territórios indígenas é o outro problema que ele destaca. De acordo com Marquinho, o direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada, disposto na Constituição, não tem sido cumprido. “O Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT, mas nunca foi colocado em prática. Não há tempo suficiente para os indígenas falarem e ainda há a questão da língua. Como você vai fazer consulta prévia, livre e informada se você não tem matéria na própria língua deles? E pelo fato de ser uma consulta prévia, ela tem que vir antes da obra ser anunciada e não durante ou depois da obra”.

Reforma Agrária

Apresentando a trajetória da luta pela reforma agrária no Brasil, Ulisses Manaças, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), detalhou os vários modelos de desenvolvimento pelos quais o país passou desde os tempos da colonização, em que predominava um modelo agrícola e agrário, porém voltado à exportação de commodities para a colônia portuguesa. “Nós atravessamos esse século com uma disputa intensa e o Estado brasileiro foi formado a partir dessa lógica da violência, da expropriação dos recursos naturais voltados para a matriz europeia”.

Para Ulisses Manaças, a luta pela reforma agrária vai além da conquista pela terra

Ao chegar na década de 1930, com o impulso dado pelo governo de Getúlio Vargas, o Brasil passou para um modelo econômico industrial e dependente. Nesse processo, a agricultura deixa de ser central para a economia e passa a ser subordinada à lógica da indústria com o fornecimento de matéria prima para abastecê-la. “Com isso, os agricultores tinham que abandonar suas terras, saíram do campo e viraram proletários, operários, nas indústrias, nas cidades”, diz Ulisses.

Para o militante, somente a terra não é capaz de garantir a sobrevivência dos trabalhadores e trabalhadoras, a luta pela reforma agrária deve avançar para conquistas sociais. “Reforma agrária não é só terra, mas é um conjunto de medidas, de legislações, políticas públicas com infraestrutura, saúde e de educação do campo”, analisa Manaças com duras críticas ao modelo de economia neoliberal e neodesenvolvimentista instaurado no país.

Juventude de luta

Anunciada em 2016, a Proposta de Emenda Constritucional (PEC) 241, que depois virou PEC 55, foi o estopim para o início das ocupações iniciadas em escolas secundaristas e que se estendeu a universidades em todo o país. A proposta previa o congelamento de salários e a limitação de investimentos em saúde e educação por 20 anos, precarizando ainda mais os serviços sociais. Tendo participado do movimento ‘Ocupa UFPA’, a estudante da Universidade Federal do Pará (UFPA), Mylena Santana, considera que apesar de a PEC ter sido aprovada pelo Senado Federal, o protagonismo da juventude foi fundamental para firmar repúdio ao Governo Temer.

“A precarização da universidade tem se acentuado de forma muito significativa. Desde a questão da redução do quadro de trabalhadores terceirizados, que já tem o trabalho precarizado por conta do corte de verbas para educação. É preciso repensar o modelo educacional que a gente vivencia no país e era isso o que estávamos fazendo nas ocupações. O movimento de ocupação conseguiu mostrar outras possibilidades, outras formas de organização por fora das organizações tradicionais”, destaca a universitária.

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