Notícias

15/09/2023
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Geral
Leitura: 7 minutos

Fundo Dema realiza Seminário Teritórios da Vida, em Altamira (PA)

O encontro reuniu representantes de organizações apoiadas para dialogar sobre a emergência climática e a agroecologia enquanto caminho de resistência.

Por Élida Galvão

Problematizando a questão climática no planeta e os caminhos apontados pelas populações tradicionais da Amazônia para justiça socioambiental, o Fundo Dema realizou, no período de 04 a 06 de setembro, o Seminário Edital Territórios da Vida: Emergência Climática e Soberania Popular na Amazônia, que ocorreu em Altamira (PA).

A atividade deu encerramento ao Edital Territórios da Vida, que apoiou 10 projetos comunitários de indígenas, quilombolas, agroextrativistas e agricultores familiares nas regiões da Transamazônica, BR 163, Baixo Amazonas e Nordeste Paraense, tendo beneficiado 1.410 pessoas, 46 comunidades e 624 famílias.

Por meio do Edital, os projetos apoiados alcançaram um resultado de 6 hectares de área recuperada e manejada em sistemas de agroflorestas, 773 hectares de floresta diretamente manejada, 1.500 mudas ou sementes de árvores plantadas em área definitiva e 35 mutirões, cursos e outras articulações. Entres as ações dos projetos, foram construídos três galinheiros uma sede de associação, uma usina de beneficiamento, dois viveiros de mudas de árvores, 18 quintais produtivos enriquecidos e um protocolo de consulta.

Representantes das organizações apoiadas compartilharam sobre a importância das iniciativas para a defesa do território. Foto: Élida Galvão

O Encontro contou com a participação de Letícia Tura, diretora executiva nacional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE); Raimunda Monteiro, representante do Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Presidência da República; Sara Pereira, coordenadora da FASE Programa Amazônia; Edizângela Barros, da Diocese do Xingu, e Antônia Martins, da Fundação Viver Produzir e Preservar, ambas membras do Comitê Gestor do Fundo Dema.

“É emocionante estar neste lugar de origem do Fundo Dema e ver como o Fundo cresceu, se renovou, se inovou nos últimos 20 anos. Isso é muito vivo. A medida em que cresce, novos desafios se colocam para novas conquistas. O Edital Territórios da Vida traduz bastante essas conquistas”, disse Letícia durante a abertura do evento.

Edizângela Barros falou sobre a importância de potencializar o debate da emergência climática nos territórios de atuação do Fundo Dema. “Fortalecer o Fundo Dema, é fortalecer as nossas comunidades. Estamos aí discutindo a questão climática, teremos a COP 30, em 2025, e precisamos levar este debate às bases fazendo um contraponto nesse diálogo, considerando a realidade das populações da Amazônia”.

A educadora do Fundo Dema, Vânia Carvalho, apresenta os resultados do Edital Territórios da Vida. Foto: Élida Galvão

Sara destacou a atuação do Fundo Dema diante dos resultados alcançados no apoio a projetos comunitários. Esse Edital ‘Territórios da Vida’ traduz exatamente o que é essa experiência de 20 anos do Fundo Dema. Enquanto a gente tem muitos olhares da Amazônia por todos os processos de violação de direitos, desmatamento, ameaças a lideranças em nossos territórios, o Fundo Dema traz um outro novo olhar para os territórios que, apesar de tudo isso, são territórios de muita vida, com muitas experiências plurais diversas. Então é uma grande alegria poder participar desse momento de partilha, de vivência desse edital tão significativo para todos nós”.

Em vídeo, Raimunda Monteiro, fez uma abordagem sobre o conjunto de esforços, que inclui financiamento, capacitação, organização e integra o processo de realização de uma iniciativa coletiva. “O Fundo Dema é um dos meios de financiamento que chegam em pequenas comunidades, em associações, organizações locais por meio de apoio a projetos e o projeto é uma coisa que tem princípio, meio e fim, mas a iniciativa da comunidade deve continuar. Não adianta o projeto melhorar a vida da comunidade por dois ou três anos e ficar sem ter continuidade, é importante investir na capacidade tecnológica, gerencial, de captar novos recursos para caminhar com outros meios”.

Fortalecendo os povos da Amazônia

Durante o primeiro dia do Seminário, representantes das organizações apoiadas compartilharam suas experiências e desafios durante a realização das iniciativas coletivas. Selma Moreira, coordenadora da Associação dos Agroextrativistas Sementes da Floresta (AASFLOR), falou sobre a experiência do projeto Cuidando da Biodiversidade e do Bem Viver, desenvolvido no município de Uruará, na região da Transamazônica (PA).

“Durante a pandemia nós não tínhamos praticamente estoque de produtos. A gente estava começando a juntar os materiais, tínhamos 70 litros de óleo de andiroba, 5 litros de óleo de copaíba, 500 kg de mesocarpo de babaçu e 50 kg de manteiga de cupuaçu. Mas, na pandemia a nossa produção parou porque a gente não podia se reunir, então nosso estoque foi a zero. Com o projeto apoiado pelo Fundo Dema, a gente conseguiu alguns insumos e conseguimos retomar a produção de sabonetes, comprar embalagens para a gente envasar os óleos porque já não tinha mais recurso. Desde então o nosso projeto tem sido e vai continuar sendo um sucesso. Nós temos outras áreas de SAFs para a gente implementar. Os agricultores já estão plantando, animados e têm famílias chegando, querendo participar da AASFLOR. Isso é muito gratificante”, relatou Selma.

Indígenas, quilombolas, agroextrativistas e agricultores/as familiares intercambiaram experiências durante o encontro. Foto: Élida Galvão

Vivendo na Terra Indígena Apyterewa, em Altamira (PA), considerada a TI mais desmatada durante o Governo Bolsonaro, segundo relatório Imazon, o indígena Xikarowara Parakanã traduz a importância do projeto Xingu: Proteção Territorial e Governança Indígena na Aldeia Apyterewa, para o povo do território. “Lá, a gente é impactado mesmo pelo desmatamento. No outro governo [Bolsonaro], a gente sofria muito também com o garimpo. A gente usa só uns 20% do nosso território e 80% deles está nas mãos dos invasores, dos fazendeiros. O Fundo Dema nos ajudou muito na defesa do nosso território, que é uma vida para nós. Somos povo tradicional e precisamos da floresta. Sem floresta não somos nada. Estamos lutando pelo nosso direito em fazer a desintrusão da TI Apyterewa, demarcada em 2007, homologada e registrada, mas que até hoje falta fazer a desintrusão” diz o representante da Associação Indígena TOTO’A.

De acordo com Selma Naiara, quilombola de Monte Alegre, cidade localizada no Baixo Amazonas (PA), o projeto Resistência e história quilombola: Unidos em Defesa do Território, realizado pela Associação dos Remanescentes de Quilombos de Nazaré do Airi (ARQNA), possibilitou desenvolver um trabalho de formação política com a comunidade para a construção do Protocolo de Consulta Prévia Livre e Informada. “No território, a gente tem uma dificuldade com o auto reconhecimento. O projeto possibilitou levar formação às pessoas, para eu pudessem se sentir pertencentes àquele espaço. Nós já tínhamos algumas propostas de venda de nosso território e como temos uma nascente, essa era uma das grandes preocupações se a venda ocorresse, além disso, o impacto que a soja está trazendo em nosso município é muito grande. Por meio do projeto, estamos fortalecendo os grupos quilombolas, fizemos oficinas com os jovens, com as mulheres e incluímos sempre crianças e idosos”.

O Clima tá esquentando

Durante o dia 5, Letícia Tura, coordenadora nacional da FASE e membra do Grupo Carta de Belém (GCB), falou sobre as implicações que a destruição ambiental exerce sobre o aumento da temperatura global. “A destruição ambiental está intrinsecamente ligada ao modelo de produção da cadeia industrial global de commodities agrícolas e minerais. O que sustenta o avanço do desmatamento, além das novas tecnologias é a grilagem, pecuária e soja, mineração e infraestrutura. Setenta por cento das emissões de gases emitidos pelo Brasil vem da agropecuária. Isso provoca um desequilíbrio total no clima da terra”.

Letícia Tura, dialogou sobre a crise climática e a ofensiva capitalista nos territórios de populações tradicionais. Foto: Élida Galvão

Segundo Letícia, o debate da COP (Conferência das Partes) põe no centro do diálogo a reconfiguração da racionalidade capitalista e nesse processo surge uma nova moeda capitalista, que é o crédito de carbono. “Para isso, foram criados milhares de sistemas de financeirização da natureza. Nesse processo de 30 anos teve um fortalecimento das falsas soluções, como Net Zero, Bioeconomia, Mercado de Carbono, Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), REDD+, títulos verdes, Fundos de ESG (do inglês Environmental, Social and Governance ou, em português, ASG, referindo-se a Ambiental, Social e Governança)”, diz Letícia, que aponta consequências para esses investimentos capitalistas. “Todo isso provoca o fortalecimento do setor empresarial como sujeito das falas soluções, promotor da sustentabilidade e o mercado como a única saída para a crise”, complementa.

Agroecologia é o caminho

Contribuindo para o diálogo, o educador da FASE Programa Amazônia, Samis Vieira, destacou que a Agroecologia é uma estratégia de resistência no enfrentamento à financeirização da natureza, à clise climática e à insegurança alimentar e nutricional.

O Educador da FASE, Samis Vieira, fala sobre a importância da agroecologia para a defesa do Bem Viver. Foto: Élida Galvão

“O ponto de partida para o debate é o território. A Amazônia está passando por um processo de desterritorialização e isso provoca a perda da soberania alimentar, dos modos de vida. O alimento é um patrimônio cultural, é afeto, memória identidade e ancestralidade. A gente não pode perder nossos laços de solidariedade no campo”, diz Samis, que chama a atenção para a defesa da sociobiodiversidade. “Para quem são as políticas socioambientais na Amazônia? Qualquer política socioambiental para a Amazônia tem que levar em conta a sua sociobiodiversidade, a diversidade dos atores, a organização socioprodutiva, a valorização do conhecimento tradicional, circuitos curtos de mercado, o protagonismo das juventudes, das mulheres, a segurança alimentar e nutricional”, argumenta.

Caderneta Agroecológica

Por meio do Edital Territórios da Vida, o Fundo Dema também desenvolveu um projeto piloto com o uso de Cadernetas Agroecológicas por mulheres do Fundo Luzia Dorothy do Espirito Santo, no Baixo Amazonas, e do Fundo Quilombola Mizizi Dudu, no Nordeste Paraense.  À frente deste trabalho, as educadoras Suelany Souza, do Fundo Dema, e Jaqueline Felipe, da FASE Amazônia, explicaram como foi realizada a metodologia de registro que dá visibilidade ao trabalho das mulheres.

Junto à educadora Suelany Souza (terceira da esquerda para a direita), mulheres mostram o registro de suas produções na caderneta agroecológica. Foto: Élida Galvão

“A caderneta agroecológica é um instrumento que dá visibilidade ao trabalho da mulher, mostrando o seu protagonismo. Em complementação, inserimos outros instrumentos para dar base nas discussões e organizar melhor os resultados na produção e valoração do trabalho delas. Desenvolvemos o mapa da sociobiodiversidade, em que a mulher se vê através do seu quintal, ela desenha o seu quintal para visualizar a luta em defesa do território, usamos o calendário agroecológico para definir os períodos de produção e colheita, com base nas fases da lua, resgatamos a ancestralidade no uso das ervas medicinais, também traçamos um perfil socioeconômico e analisamos os mercados institucionais em que as mulheres acessam para vender seus produtos”, destaca Suelany.   

De acordo com a educadora, a sistematização dos dados revelou que algumas mulheres conseguiam gerar uma renda anual de 20 mil Reais, o que antes, sem as anotações, não era possível mensurar. “Isso significa que a caderneta não trabalha apenas com a renda monetária, mas se faz referência ao consumo, à relação de troca e à doação. Isso é muito presente em nossos territórios”, conclui Souza .

Veja mais fotos da atividade