Grupo de mulheres inaugura padaria comunitária em Belterra
Neguinha comemora conquista coletiva |
Por Élida Galvão e Sara Pereira*
‘A massa que multiplica’. Esse é o slogan que as mulheres de São Francisco da Volta Grande, comunidade localizada no município de Belterra (PA) escolheram para a padaria Mão na Massa, um empreendimento coletivo, idealizado, construído e gerido por um grupo de mulheres que acreditou na força da união, multiplicando esperança em um novo tempo, com melhor qualidade de vida para a comunidade.
No dia 19.02, os/as comunitários/as reuniram-se para celebrar essa importante conquista. Em meio a fogos de artifício, música e discursos entusiasmados, a Padaria Mão na Massa foi inaugurada, marcando a realização de um grande sonho, cujas vantagens e ganhos, não apenas financeiros, mas, sobretudo, na autoestima das mulheres, demonstram total capacidade e contribuem para o aumento da confiança em administrar o negócio.
Integrante do grupo, Neguinha, como gosta de ser chamada Maria Ivanilda Norato, fala com orgulho sobre o projeto que visa o benefício direto às mulheres, a partir da renda gerada, e indireta à comunidade, com contribuição à segurança alimentar das 200 famílias existentes na localidade.
Este foi um meio de organizar as mulheres e incentivar para o trabalho coletivo, tirando muitas delas da situação de violência doméstica. A comunidade não tinha padaria e esta é a primeira. Nós iniciamos com 300 pães no primeiro dia. No segundo dia foram 400 e hoje já produzimos 500, comemora.
De acordo com Neguinha, as 13 mulheres que integram o projeto se dividem em três grupos. Cada dia um grupo fica responsável pelas fornadas iniciadas às cinco da manhã. Com experiência acumulada ao longo de oito anos, por meio de capacitações apoiadas por diversas instituições parceiras, além dos pães convencionais, as mulheres comercializam criatividade, isso porque também produzem pães de açaí e de pupunha, dois frutos nativos da região. E ainda fabricam bolo de milho, macaxeira, arroz e banana.
Mais do que produzir pães, bolos, pizza e iguarias regionais, a Mão na Massa produz a autonomia econômica dessas mulheres, possibilitando o aumento dos ganhos da família e fazendo circular a renda na comunidade. Além disso, a iniciativa é uma lição de economia solidária, uma vez que os custos e os rendimentos do projeto são equitativamente distribuídos entre elas, fazendo que assumam coletivamente os bônus e os riscos da atividade.
Mulheres de luta
Contando com a parceria de seus companheiros e filhos, os quais ajudam a assar e vender os produtos, as mulheres de São Francisco da Volta Grande se fazem maioria na comunidade, tanto em número quanto em presença política. Desde a formação do lugarejo, elas sempre estiveram à frente do processo organizativo, fundaram a Associação dos Moradores Agrícolas da Comunidade de São Francisco da Volta Grande e continuam na dianteira de ações de melhorias para a comunidade.
Além de gerar renda às famílias, a padaria comunitária tem fortalecido a organização das mulheres de São Francisco da Volta Grande |
Localizada na numa região ameaçada pelo monocultivo da soja, a comunidade de São Francisco da Volta Grande sofre com as consequências causadas pelo agronegócio. O êxodo rural, a redução de áreas florestais e o aumento de pragas nas lavouras de pequenos agricultores são alguns dos grandes problemas enfrentados pela população local.
Com muitas limitações nas condições para o cultivo e criação de pequenos animais, a abertura de outras atividades econômicas tornou-se fundamental para a garantia da subsistência coletiva. Nesse sentido, a organização das mulheres, por meio do projeto Mão na Massa, vem representando uma importante possibilidade de contribuir para a consolidação do fortalecimento organizacional, da emancipação da mulher e para a segurança alimentar e nutricional. Vale lembrar que até o próximo ano, as mulheres visam acessar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Fundo Autônomo de Mulheres
Inicialmente apoiado pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) – Programa Amazônia e pela Action Aid, o projeto já havia conquistado a construção do prédio. Somando-se a este apoio, a realização de bingos e atividades promocionais garantiu a multiplicação dos investimentos. A partir de julho de 2015, com o apoio do Fundo Autônomo de Mulheres Rurais da Amazônia Luzia Dorothy do Espírito Santo, o grupo de mulheres conquistou a compra dos equipamentos que faltavam para dar início à produção, como o forno elétrico e a bancada para o pão.
O projeto, articulado há pelo menos oito anos, também recebeu incetivo do Fundo Autônomo de Mulheres Rurais da Amazônia |
Voltado ao apoio a projetos coletivos de mulheres que atuam na região do Baixo Amazonas, o Fundo Autônomo de Mulheres é um fundo específico que integra o Fundo Dema por meio do apoio financeiro da Fundação Ford. Seu objetivo se pauta na organização das mulheres com o propósito de avançar numa perspectiva emancipatória, tanto do ponto de vista econômico quanto na condição de protagonistas de suas próprias histórias e, ainda, como sujeito coletivo de mudanças comunitárias.
Essa iniciativa já vinha sendo feita pelas mulheres. Começou com um projeto pequeno, mas elas foram muito persistentes. Com o Fundo Autônomo de Mulheres, elas se juntaram ao processo de mobilização e sempre contribuíram com a vontade de concretizar seus sonhos. As mulheres buscam sempre, de forma coletiva, a autonomia, não só econômica, mas também no sentido de serem donas de sua existência e de suas decisões, analisa Graça Costa, que representa a FASE no Comitê Gestor do Fundo Autônomo de Mulheres.
Para ela, por meio deste fundo específico, as mulheres têm a capacidade de gerar um negócio que pode dar fruto, além de agregar outras mulheres. Ali também circulam outras informações. Elas dialogam sobre a superação das dificuldades, sobre os desafios de ser mãe, liderança comunitária e até mesmo de suas atuações na esfera religiosa. A maior importância é a autonomia, a cidadania e a coletividade conquistada pelas mulheres, conclui.
* Educadora da FASE Amazônia – com contribuições da assessoria de comunicação do Fundo Dema