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24/04/2017
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Notícias
Leitura: 6 minutos

No Pará, projeto estimula geração de renda às famílias por meio da educação e preservação ambiental

Por Élida Galvão

Fundo Dema

|Junto ao instrutor, participantes do projeto produzem joias naturais com materiais recolhidos da floresta

Localizado no Oeste do Pará, o município de Novo Progresso conta com uma população de mais de 25 mil habitantes, constituída majoritariamente por migrantes do Sul do país. Melsinda Foster foi uma dessas pessoas atraídas à região pelo discurso do desenvolvimento. Com uma história de idas e vindas, de chegadas e retornos a Santa Catarina, seu lugar de origem, Mel, como é conhecida, se viu em algum momento de sua vida separada e com um filho pequeno para cuidar. Os intensos desafios a encaminharam a Novo Progresso no ano de 2005. Vivendo em uma situação difícil, começou a trabalhar em uma rádio local. A nova atividade a fez perceber uma realidade social bastante marginalizada no município.

Como forma de acolher e preencher o tempo ocioso das crianças enquanto as mães trabalhavam no garimpo, Mel, juntamente com outras companheiras, criou o projeto Renascer que acabou se constituindo em Instituto pouco tempo depois. Voltado a ações com crianças e adolescentes, o Instituto Renascer conta com o trabalho inteiramente voluntário de educadores e educadoras e hoje presta assistência a 100 crianças, oferecendo atividades esportivas, de dança, teatro, música, artes e educação ambiental e também voltada aos direitos humanos e cidadania.

Frente à difícil realidade do município, cuja principal atividade econômica gira em torno da exploração madeireira, em 2012, com o apoio do Fundo Dema em parceria com o Fundo Amazônia, o Instituto Renascer passou a executar o projeto Eco Joias, com o principal objetivo de desenvolver um programa de educação ambiental junto às famílias assistidas pelo instituto, com ênfase na preservação dos recursos naturais e na geração de renda dessas famílias.

De forma a criar alternativas à falta de emprego e à situação de vulnerabilidade social o projeto cria condições para a auto sustentabilidade das famílias aliando o desperdício de matéria-prima ao fomento de confecção de bijuterias naturais a partir do uso de folhas, sementes e cipós coletados em florestas do bioma Amazônia. Aliado a isso, o projeto busca incentivar e despertar a população para a importância da preservação do meio ambiente a partir de ações voltadas a estudantes de escolas municipais de Novo Progresso, tendo em vista que o município é um dos que acumulam os maiores índices de desmatamento e grilagem de terras no Pará.

Vulnerabilidade socioambiental

Tendo sido formado às margens da rodovia BR 163, o município de Novo Progresso atraiu milhares de pessoas à localidade com descoberta do filão de ouro nos tempos de massiva ocupação e início de devastação da Amazônia, durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). A situação incentivou a exploração dos recursos naturais, com isso, a grilagem de terras, a pecuária extensiva, o desmatamento desenfreado aumentaram em larga, assim como a violência também.

Como forma de mitigar os graves problemas causados pelo ideário do “desenvolvimento”, em 2006 o Governo Federal criou a Floresta Nacional (Flona)[1] Jamanxim nos arredores de Novo Progresso, de forma a proteger cerca de 2,8 milhões de hectares e conter o avanço do desmatamento nos arredores da BR 163. Porém, a medida vinha desagradando os grileiros, empresários do agronegócio e da mineração, principais responsáveis pelo aumento do desmatamento na região.

Em dezembro de 2016, de forma a beneficiar os segmentos empresariais, o Governo Temer decretou duas Medidas Provisórias que reduzem os limites da área de conservação ambiental na Flona Jamanxim e Parque Nacional do Rio Novo (MP nº 756), e no Parque Nacional do Jamanxim e na Área de Proteção Ambiental do Tapajós (MP nº 758). A medida autorizou a redução de 57% da área da Flona do Jamanxim e cerca de 861 hectares do Parte Nacional do Jamanxim[2], que abarca os municípios vizinhos de Itaituba e Trairão, aumentando, no entanto, as áreas de exploração ambiental.

Alternativa ao chamado desenvolvimento

Com a criação da Unidade de Conservação e o aumento da fiscalização, os postos de trabalho ligados à exploração ilegal dos recursos naturais reduziram bastante, já que nos últimos anos o extrativismo vegetal vinha sendo considerado uma das principais economias de Novo Progresso, juntamente com a exploração do ouro e da pecuária extensiva. A situação se reflete nas mazelas sociais com o aumento da violência, da exploração sexual e da desestrutura familiar.

Atentos/as aos problemas social, econômico e ambiental do município, os/as educadores/as do Instituto Renascer tomaram a iniciativa de oportunizar novos conhecimentos a famílias das crianças e adolescentes acolhidos. Acreditando na educação enquanto caminho para a transformação social e exercício para a cidadania, em 2012 passaram a desenvolver o projeto Eco Joias como estímulo e alternativa de geração de renda aos/às responsáveis dos meninos e meninas.

O projeto atua na capacitação para a confecção artesanal de bijuterias a partir da coleta de sementes da floresta. Aliado a esta atividade também são feitas palestras nas escolas para falar sobre a importância da preservação dos recursos naturais não só para a localidade, mas para a vida no planeta. “Por meio do projeto Eco Joias nós reunimos 15 famílias, que são constituídas por três ou quatro pessoas. Infelizmente não conseguimos até hoje parceria com nenhuma esfera do governo. Todo o nosso trabalho é voluntário”, diz Melsinda Foster, responsável pelo projeto.

De acordo com Mel, desde o início, apesar das dificuldades, as ações têm ocorrido de forma muita participativa. Com a primeira parcela dos recursos deram início à estruturação do projeto com a aquisição de equipamentos. Compraram computador, impressora, Datashow, escrivaninha, mesa de escritório, cadeira. Em seguida, já com os equipamentos, deram início às oficinas de capacitação e às palestras nas escolas. Das três oficinas planejadas, duas já foram executadas; a primeira abordou a importância da coleta de sementes, a segunda, foi voltada à aprendizagem para a confecção das peças e a terceira, segundo Mel, ocorrerá em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (EMATER), e abordará a comercialização dos produtos da floresta.

“A gente também teve algumas palestras nas escolas sobre a sensibilização da importância da preservação da natureza, dos recursos naturais e também falamos sobre as biojoias, explicamos o que é o projeto. Visitamos cinco escolas”, explica Melsinda sobre as ações voltada à educação ambiental, desenvolvidas nas escolas municipais Tancredo Neves, Waldemar Lindermayr, Dep. João Carlos Batista, Professora Maria Doralina Ruaro e Valdomiro Mendes Rodrigues.

Troca de conhecimento e educação ambiental

Depois de algum tempo desempregado, após um acidente que deixou sequelas e com dificuldade para se locomover, Adriano da Silva teve a oportunidade de compartilhar seus conhecimentos e também de ganhar um dinheirinho extra para o seu sustento. Convidado por Melsinda a participar do projeto como instrutor, o artesão passou dividir com as mulheres as técnicas para a confecção das bijuterias. Acompanhando a evolução do trabalho coletivo, Adriano chegou a se surpreender com a rápida familiaridade das participantes com a técnica macramê, utilizada para tecer os fios de forma manual.

“Eu vejo o esforço delas, com a determinação de preguntar, de criar novas ideias. Porque esse tipo de atividade não sai propriamente de um estudo, mas da criatividade. Umas tiveram ideias que passaram pra mim e eu até mesmo também fui aprendendo com elas”, diz Adriano. De acordo com o instrutor, a partir da técnica aprendida, as mulheres têm a possibilidade de confeccionar diversas peças como bolsas, pulseias, colares, brincos, tiaras, sandálias.

|Melsinda Foster [à direita], coordenadora do projeto, acompanha as ações de educação ambiental nas escolas públicas

Participante do projeto, Zenilda Cardoso, que já produz artesanato em cimento, relata a experiência de aprender outra forma de trabalhar manualmente valorizando a riqueza do bioma Amazônia. “A nossa perspectiva é muito boa. Até então a gente não tinha conhecimento de trabalhar com aquelas sementes, de desenvolver aquele trabalho. É uma forma de aproveitar as sementes e valorizar a riqueza que nós temos. Somos abençoados por ter essa floresta. Agora isso é um incentivo para as mulheres, pois muitas ao invés de ficar só em casa sem ter o pensamento de fazer nada, agora tem uma oportunidade de ter uma renda extra”, considera.

Para Elmara Guimarães, dinamizadora do Fundo Dema que acompanha o Eco Joias desde antes de sua execução, tendo ajudado a comunidade na elaboração da proposta, o projeto se diferencia porque vai além da produção das biojoias, mas contribui socialmente à sociedade chamando a atenção para o cuidado com o meio ambiente. “O projeto contribui com atividades regulares de educação, psicomotora, esporte, ginástica, além de desenvolver atividades ligadas à conservação dos recursos naturais no sentido de informar a população sobre o uso predatório desses recursos e a necessidade de cuidar do meio ambiente. As atividades vão desde palestras e ações de educação ambiental nas escolas a oficinas de biojoias, fomentando o uso consciente dos recursos naturais e a geração de renda para as famílias beneficiárias”, destaca. 



[1] Unidade de Conservação (UC) criada em 2006 por meio do Plano BR-163 Sustentável, um plano governamental de ações estratégicas para o “desenvolvimento” na Amazônia com enfoque na “produção sustentável” e no “reordenamento” do território.

[2] Informações de O Eco


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