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08/11/2017
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Notícias
Leitura: 5 minutos

Paraenses do Baixo Amazonas trocam conhecimento sobre manejo de pesca no Amazonas

Por Élida Galvão¹ e Samis Vieira²


l A experiência dos pescadores influencia de forma positiva na contagem de peixe existente em determinado lago

Considerada uma das maiores áreas de floresta tropical em proteção na América do Sul, com uma área de 2.313.000 hectares, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã, localizada no estado do Amazonas, foi o cenário do intercâmbio realizado entre as famílias pescadoras da localidade e moradores do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande e da Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós Arapiuns, ambos localizados na região do Baixo Amazonas, Oeste do Pará.

Com o objetivo de incentivar a troca de conhecimento ente as famílias – que, em meio a outras atividades dependem da pesca para viver –, a parceria entre a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) Programa Amazônia, o Fundo Dema e a Fundação Ford possibilitou um encontro coletivo a partir da articulação com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Realizado no período de 15 a 20 de outubro, este encontro apresentou aos visitantes a experiência de manejo participativo de pirarucu, que tem estimulado o desenvolvimento de iniciativas similares em diversas regiões da Pan Amazônia.

A experiência foi iniciada com visita ao Instituto Mamirauá, no município de Tefé (AM), onde os participantes puderam vivenciar o histórico de assessoria às comunidades voltada ao manejo do pirarucu e a organização dos pescadores para o desenvolvimento de um sistema de manejo participativo sustentável, iniciado ainda na década de 90 devido à intensa exploração comercial de pirarucu e com a proibição da pesca durante todo o ano.

A medida afetou inúmeras famílias que residiam em áreas de várzea e tinham a venda do pirarucu como importante componente de sua renda. No entanto, por se tratar de uma atividade de subsistência, considerando que a agricultura e a pesca são as principais atividades econômicas da população do Médio Solimões, os próprios pescadores, com o apoio do Instituto Mamirauá, tomaram a iniciativa de promover o trabalho de forma legalizada, conquistando a autorização para a pesca do pirarucu voltada a um sistema manejado.

l Ao centro, Jairo (azul claro), Samis (azul escuro), José (laranja) e Marilene, do Pará, conhecem experiência do Instituto Mamirauá

“Foi importante saber o que esses pescadores passaram. Foi uma vida muito sofrida. As grandes geleiras atacavam por lá e por isso a população de pirarucu diminuiu. Com isso, houve a proibição do pescado e as famílias locais é que foram prejudicadas. A atividade de manejo da pesca é muito importante e é essa experiência que levaremos para compartilhar com famílias da Resex e do PAE Lago Grande, em Santarém”, relata Marilene Rocha, representante do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém e membro do Comitê Gestor do Fundo Dema.

A partir do segundo dia de atividade, a equipe paraense seguiu para a RDS Amanã, que fica situada na região do médio curso do rio Solimões, próximo à confluência com o rio Japurá, a Oeste da cidade de Manaus (AM).

Criada em 1998 e com uma população de aproximadamente 4 mil pessoas, a RDS Amanã possui três sistemas de manejo de pesca, entre os quais Coraci, Pantaleão e Paraná Velho. Junto à Reserva Extrativista de Mamirauá, que também é assessorada pelo Instituto Mamirauá, somam-se 25 comunidades ribeirinhas envolvidas, que chegam a produzir cerca de 300 toneladas de pirarucu ao ano.

Valorização dos bens comuns

Ameaçadas pela exploração da pesca em larga escala, as famílias pescadoras da RDS Amanã se uniram e elas próprias somaram esforços de forma a contribuir à valorização e à garantia do pescado enquanto um bem comum. Para isso, criaram os acordos de pesca, definindo normas voltadas à regularização da pesca conforme os interesses do grupo, juntamente com a conservação dos estoques pesqueiros, e que foram reconhecidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

De acordo com Samis Vieira, educador da Fase que participou do intercâmbio, os principais desafios da proposta de manejo estavam na recuperação dos estoques de pirarucu em seus ambientes naturais e o estabelecimento de uma exploração sustentável pensando nas futuras gerações, uma vez que o pescado é considerado a base da dieta alimentar das populações ribeirinhas. Além disso, a proposta de valorização do pirarucu passou a contribuir para a melhoria de renda das famílias.

“O processo de sensibilização sobre a conservação dos recursos naturais, o modelo organizacional construído, o trabalho conjunto na pesca, a participação em capacitações, a vigilância de lagos, o beneficiamento e a comercialização do pescado foram de fundamental importância para recuperação dos estoques de pirarucu de forma sustentável”, considera Samis.

Fortalecendo o conhecimento tradicional

Com uma experiência aguçada, os pescadores e pescadoras conseguem planejar a pescaria identificando o momento ideal para a prática somente por meio da observação. Esta análise é feita no momento em que o pirarucu vem à superfície para respirar. A partir da visão e da audição são capazes de obter as informações fundamentais para o manejo, como a quantidade de peixe existente em um determinado corpo d’água e o tamanho aproximado do peixe.

Vale ressaltar que a definição das cotas anuais de pesca nos ambientes de manejo é feita mediante a autorização pelo IBAMA por meio do método de contagem peixes, que é reconhecido pelo Instituto como um meio fundamental para o manejo da espécie em ambientes naturais na região Amazônica. Isso porque ao comparar os resultados da contagem dos pescadores com o levantamento de estoques, levando em consideração os métodos institucionais de marcação e recaptura, chega-se a um estimativa de aproximação entre os resultados de ambos os métodos.

Após a realização da contagem, os pescadores mantêm o acordo firmado podendo remover somente 30% do pirarucu adulto, deixando os 70% restantes para assegurar a reprodução da espécie.

Enfrentando ameaças ao território e aos modos de vida

Morador da comunidade Soledade, localizada no PAE Lago Grande, em Santarém, seu José Lair enfrenta uma realidade cercada por ameaças de grandes projetos econômicos e empreendimentos voltados à mineração e ao agronegócio que vêm se instalando no território em que vive.

Com a construção de hidrelétricas, a instalação de portos graneleiros, a abertura de rodovias, a exploração mineral e madeireira, o plantio de monocultivos, a pesca predatória, por exemplo, têm-se uma profusão de conflitos com os povos tradicionais e as comunidades locais devido impactos socioambientais provocados por estes projetos do grande capital, que impactam diretamente na qualidade de vida das famílias e destroem o meio ambiente de modo irreversível.   

l Mulheres e homens tem a mesma participação nas atividades e nos ganhos do manejo de pesca do pirarucu

Diante da experiência no intercâmbio, comparando à realidade em vive, seu José Lair faz planos de alertar os moradores do PAE Lago Grande sobre os mecanismos para garantir a vida na Amazônia. “O que mais me chamou atenção foi a forma de organização das famílias com o envolvimento das mulheres e os jovens nas atividades. Outra coisa foi a conscientização dos moradores na valorização dos recursos naturais pensando nas gerações futuras. Pretendo compartilhar esse conhecimento com outras comunidades, pois também temos uma diversidade de lagos, rios e peixes, mas precisamos fazer um trabalho forte para garantir o sustento das nossas famílias no futuro, porque a pesca ilegal na nossa região aumenta a cada dia”, afirma.

Projeto Intercâmbio

O Projeto ‘Intercâmbio de experiências de gestão socioterritorial e de fundos de pequenos projetos na Pan Amazônia: o Fundo Dema na promoção de práticas sustentáveis’, é resultado da parceria entre a Fase Programa Amazônia/Fundo Dema e a Fundação Ford, com o objetivo de ampliar conhecimentos e efetuar trocas de experiências acerca da produção de alimentos saudáveis, gestão territorial, recuperação de áreas degradadas e sistema agroflorestal, por meio de intercâmbio nacionais e internacionais realizados entre grupos, envolvendo integrantes do Comitê Gestor do Fundo Dema, integrantes de projetos por este apoiados e lideranças comunitárias, para fortalecer as resistências frente ao modelo desenvolvimento pautado na degradação socioambiental e desterritorialização.


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¹ Jornalista da FASE/Fundo Dema

² Educador da FASE Programa Amazônia