Parceria Fortalece Rede de Solidariedade no Baixo Amazonas
Por Silvia Guerreiro*
|Mulheres da AMABELA organizando as cestas para doação
A nova dinâmica de distanciamento social recomendada pelas autoridades sanitárias no combate à pandemia da Covid-19 tem provocado impactos sociais e econômicos no mundo todo e afeta de maneira desproporcional a população em vulnerabilidade social, aprofundando muitos problemas, entre eles a fome e o desemprego. Na Amazônia, as populações tradicionais têm enfrentado grandes dificuldades com alteração de seus modos de vida.
Agricultores familiares e populações tradicionais, acostumados a realizar feiras agroecológicas para comercializar seus produtos, passaram a enfrentar dificuldades por conta do caos mundial. Sem poder vender seus produtos, centenas de agricultores e agricultoras começaram a perder a produção, que se acumulava em suas casas. Isso interferiu até mesmo na geração de renda às famílias camponesas.
Pensando nesta situação, um grupo de dez professoras da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém, com diálogo entre alguns parceiros como a Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Município de Belterra (Amabela), que integra o Fundo Luzia Dorothy do Espírito Santo e o Fundo Dema, criou a Campanha ‘Alimentando a Vida’, uma ação que viabiliza a aquisição de alimentos da agricultura familiar para abastecimento de populações em situação de insegurança alimentar. Quatro toneladas de alimento foram compradas e distribuídas para 80 famílias de estudantes indígenas em situação de vulnerabilidade social no mês de maio. Além disso, o grupo está testando a venda de produtos agroecológicos por meio de serviço de entrega.
A professora do Instituto de Biodiversidade e Florestas (IBEF/UFOPA), Daniela Vagner, conta que a compra dos produtos das associações de agricultores é feita com o dinheiro arrecadado por meio doações e vaquinha online. Na primeira experiência feita, as cestas foram preenchidas com “dezessete tipos diferentes de alimento, além de máscaras e alguns informativos sobre higienização dos produtos, cuidados com o lixo e receitas para fazer com os alimentos”, explica a professora.
A presidente da Amabela, Selma Ferreira, conta que o esforço de plantar um alimento sem veneno é também a garantia de autonomia das famílias. “Quando nós vemos o produto em casa estragando, é muito triste, desanimador, chega enfraquece, não dá mais vontade de plantar de novo. Mas quando conseguimos produzir nosso alimento e ainda por cima ter nossa renda extra, que significa vender nosso produto, é uma felicidade enorme, isso garante nossa autonomia, a renda da agricultura familiar, a sustentabilidade”, declara.
Fortalecendo a agroecologia
Selma sabe da importância de seu trabalho para a garantia de uma alimentação saudável à população. “Estamos na luta defendendo nossas vidas, o ambiente e o planeta”, declara se referindo ao plantio agroecológico. A comida que produz é livre de agrotóxico e vender esse produto saudável para outras famílias é uma das melhores sensações para Selma. “Nós sabemos o que estamos produzindo e é muito importante ter o conhecimento de que o que vamos comer é algo sem agrotóxico. Mais importante ainda é ter a certeza que vamos levar nosso produto saudável para mesa de outras famílias”, afirma Ferrreira.
A agricultora também destaca que a agroecologia não se limita à segurança alimentar, se amplia à defesa dos bens comuns e do território. “Trabalhar com agroecologia é tudo, é cuidar do meio ambiente, dos vizinhos, dos animais, dos igarapés, da água”, ressalta Selma.
Solidariedade ativa, soberania alimentar e economia solidária
Enquanto as políticas públicas não chegam, as comunidades buscam alternativas de comercialização, que também tem estimulado diversas formas de solidariedade ativa. A ajuda a pessoas mais vulneráveis tem sido uma forma de diminuir as desigualdades sem substituir o papel do Estado em garantir ações necessárias para os problemas da fome, desemprego e renda.
A professora Daniele destaca que a campanha ‘Alimentando Vida’, além de incentivar ações de solidariedade, tenta assegurar a renda dos agricultores e agricultoras familiares. “Os agricultores não estão doando os alimentos, por meio de arrecadação de verba nós estamos comprando os produtos que iriam se estragar e doando para quem precisa. Dessa forma, a gente fomenta e incentiva a agricultura familiar gerando renda”, destaca.
Uma das formas de fortalecer esse setor é a incentivar os circuitos curtos de comercialização, estimulando que pequenos comércios, restaurantes e supermercados comprem os produtos da agricultura familiar. Mas tudo isso ainda não é o suficiente, para a professora é urgente retornar com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), “além disso o fortalecimento das Secretárias de Agricultura é um fator importante para dar suporte e apoio principalmente em relação ao transporte dos alimentos. Não adianta a gente divulgar os produtos e os agricultores não terem como transportar os alimentos”, afirma Daniele.
Um bilhão para o PAA
Para enfrentar as consequências da crise do coronavírus, centenas de organizações, movimentos sociais e redes que integram a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), entre elas o Fundo Dema, e outras instituições parceiras apresentaram aos governos em âmbito federal, estadual e municipal uma proposta de aporte emergencial de R$1 bilhão para fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). Se implementada, essa proposta movimentará mais de 150 mil famílias, adquirindo 300 mil toneladas de alimento durante 3 meses, considerada, portanto, uma ação de impacto real para o enfrentamento a crise.
O PAA é um programa que foi implementado em 2003 e viabiliza a aquisição de alimentos da agricultura familiar para beneficiar a população em situação de insegurança alimentar, atendendo também hospitais, quartéis, escolas, restaurantes populares, asilos e outras entidades. Essa modalidade demonstrou sua eficiência social, econômica e na promoção da segurança alimentar e nutricional das parcelas mais vulneráveis da população.
No último dia 27 de abril, por meio da Medida Provisória 957, o Governo Federal destinou R$ 500 milhões para a aquisição de alimentos da agricultura familiar, no entanto, deste total, somente R$ 22 milhões serão encaminhados à Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), responsável pela aquisição de alimentos da agricultura familiar na modalidade simultânea, ou seja, a aquisição de alimentos é realizada simultaneamente com a doação. O valor restante será destinado aos estados e municípios. Porém, para a ANA e entidades parcerias, o recurso ainda não é suficiente para atender as comunidades rurais que passam por grandes necessidades. Os movimentos sociais continuam lutando para que o valor reivindicado seja liberado com a máxima brevidade às populações do campo e da floresta.
Edição: Élida Galvão