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04/06/2017
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Notícias
Leitura: 6 minutos

Por meio de manejo florestal, indígenas Xipaya garantem segurança alimentar e a subsistência da aldeia Tukamã

Por Élida Galvão

Fundo Dema


| As famílias da aldeia Xipaya constroem coletivamente o mapa do território em que vivem 

Na contramão da violência social, cultural e ambiental pela qual vêm passando com a invasão dos chamados ‘grandes projetos’ na Amazônia, os indígenas Xipaya da aldeia Tukamã, localizada à margem esquerda do rio Iriri, em uma área de 178.624 hectares, situada na região da Terra do Meio, no sudoeste do Pará, tomaram a iniciativa de garantir o acesso a uma alimentação saudável, mantendo a harmoniosa relação com a natureza. Nativos da região a mais de 70 anos, estes indígenas foram diretamente impactados pelo empreendedorismo governamental. Porém, apesar de todos os problemas enfrentados, passaram a desenvolver um projeto de amplo alcance social.

Por meio da iniciativa intitulada ‘Fortalecimento da Economia e da Segurança Alimentar Através do Manejo Sustentável do Açaí Nativo na Aldeia Tukumã da Etnia Xipaia, Município de Altamira’, desenvolvido pela Associação Indígena Pyjahyry Xipaia (AIPHX), e como o próprio nome já indica, os/as indígenas têm trabalhado com o manejo de açaizais nativos e veem nesta atividade uma importante oportunidade de contribuir na renda familiar e de promover educação ambiental, no sentido de fortalecer a cultura do grupo.

Conciliando a proteção ambiental e o rendimento econômico de modo racional e equilibrado, a ação coletiva, desenvolvida com o apoio do Fundo Dema, aproveita o trato da espécie Euterpe oleracea (açaí) de diversas formas. “Do fruto extrai-se o suco, que é matéria-prima para produção de sorvete, geleia, mingau, corante, licor e outras bebidas alcóolicas fermentadas. Do caule se faz palmito. As palhas são usadas na cobertura das casas, como matéria-prima para artesanato e adubo. O tronco produz ripas e caibros para construções rurais, lenha e celulose. E, finalmente, as raízes são utilizadas como vermífugo”, informa Joilan Xipaia, membro AIPHX, presidida por Juma Xipaia de Carvalho, e que tem sido uma das entidades de maior atuação na região.

De acordo com a indígena, o pressuposto básico deste projeto é o estabelecimento de florestas diversificadas, de forma a proporcionar maior rentabilidade às famílias da aldeia, já que, segundo Joilan, que é engenheira florestal, o manejo e a exploração do maior número de espécies de açaí são aspectos favoráveis para a manutenção do equilíbrio da biodiversidade.

A ameaça aos povos da floresta

“O objetivo deste projeto da AIPHX, apoiado pelo Fundo Dema, é também para fomentar que a comunidade Xipaya da aldeia Tukamã possa continuar a produzir de forma a fortalecer a cultura alimentar, pois, devido a esses acontecimentos, estavam se sentindo desestimulados em tomar quaisquer iniciativas. O maior desafio hoje na aldeia é esse, de resgatar a comunidade desse vício de Norte Energia e incentivar eles a buscarem sua própria sustentabilidade através dessas iniciativas como as da FASE/Fundo Dema e FIX”, pontua a Joilan.

| Engenheira florestal, a indígena Joilan Xipaia acompanha o desenvolvimento do projeto junto aos seus parentes

A engenheira se refere à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, estruturada pela empresa Norte Energia, e que deixou muito retrocesso aos povos da região. De acordo com Joilan, a experiência com a construção da hidrelétrica foi um colapso para os povos indígenas. As ações de mitigação resultaram em um choque tanto no aspecto cultural quanto social e ambiental. “As comunidades indígenas da região acabaram criando certa dependência das ferramentas e alimentos que eram doados pela Norte Energia. O Plano Emergencial[1] deflagrou um dos processos mais perversos de cooptação de lideranças indígenas e desestruturação social promovidos por Belo Monte”, destaca.

Ainda de acordo com a indígena, os impactos sobre a organização socioeconômica e a autonomia política das aldeias foram diversos. “O exemplo mais evidente é a perda da capacidade de produzir alimentos de forma contínua, o que teve graves consequências na saúde dos povos (…) Em todas as aldeias houve desinteresse pelo plantio, as pessoas ficam constantemente doentes com dor de estômago e problemas com a obesidade. Não praticam suas danças e rituais. Cada comunidade tem televisão e motor de luz, então ficam todos assistindo novelas entre os outros programas dos não índios”, denuncia a indígena Xipaya.

 Mais impacto se instalando

Como se não bastasse o grande desafio enfrentado em lutar contra o retrocesso deixado pela construção de Belo Monte, a luta agora se estende contra o empreendimento da mineradora canadense Belo Sun, que visa a extração de ouro na Volta Grande do Xingu – área de cerca de 100 km percorridos pelo rio Xingu, de grande potencial hidrelétrico, e que abarca os município de Altamira, Senador José porfírio, Anapu e Vitória do Xingu[2] – e cuja exploração se estende para a região da Terra do Meio, onde estão localizados os Xipaya.

O medo é latente e se torna maior quando se pensa em todo o processo negativo que foi Belo Monte. Considerado uma ameaça que já vem se concretizando, o projeto Belo Sun, assim como Belo Monte, caminha em direção contrária à preservação da vida, rumo a um modelo de desenvolvimento pautado na destruição da diversidade social e ambiental da Amazônia.

“Belo Sun é uma ameaça real que está se instalando no município. Vai começar a extração de minério em duas aldeias da etnia Kuruaya, que ficam localizadas no rio Curuá”, diz Joilan sobre o empreendimento que vai começar a extrair ouro nas aldeias Curuá e Irinapane, ambas da etnia Kuruaya. Porém, a atividade irá atingir diretamente outras quatro aldeias, que são a Tukamã, Tukaya e Kujubim, todas pertencentes à etnia Xipaya; Curuatxe, pertencente à etnia Kuruaya.

Para a extração do minério, será necessário deslocar as aldeias para outro local, o que certamente provocará um choque cultural e social. Isso sem contar no processo de asfaltamento de rodovias, como a BR 230 e BR 163, e os impactos ambientais inerentes. Vale ressaltar que tudo isso já vem ocorrendo sem consulta prévia aos povos da região.

Uma alternativa ao ‘desenvolvimento’

Tido como uma alternativa de subsistência a 15 famílias da aldeia, envolvendo diretamente 26 pessoas, com idade entre 19 a 30 anos, o projeto por elas desenvolvido já concluiu duas etapas previstas. Na primeira etapa, ocorrida em junho de 2016, os/as indígenas foram capacitados quanto ao manejo. Eles/as produziram um mapa da localização das áreas de açaí e aprenderam técnicas de manejo. A segunda etapa foi voltada ao inventário dos açaizais e à prática de manejo. Neste momento, os/as participantes fizeram a limpeza da área, identificaram a quantidade de pés de açaí e a potencialidade da ação de manejo. Constatou-se, no entanto, que a potencialidade é 80% de produção de açaí, com 974 pés produtivos.

| Em parceria com a UFPA, os/as indígenas receberam orientações para a realização do manejo de açaizais

Cada área produtiva equivale a cinco hectares, porém, considerando duas áreas de uso coletivo, totalizam-se dez hectares produtivos. Cada pé de açaí gera uma média de quatro quilos de semente, dessa forma, considerando o total de pés produtivos, tem-se cerca de 219 latas de 15 quilos e 1314 litros de polpa do fruto. Vale ressaltar, ainda, que a Associação para além dos pés nativos, a AIPHX comprou mil mudas de açaí. Plantou 200 pés em cada área produtiva e o restante dividiu em quantidades iguais para cada família do projeto poder plantar em suas roças individuais.

Projetando conquistas voltadas à segurança alimentar

A propagação do projeto desenvolvido pelos Xipaia alcança outras cinco aldeias que ficam próximo a Tukamã com a produção de açaí. Além disso, a comunidade já tem um projeto de Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) aprovado e a expectativa é que o recurso seja acessado ainda este ano.

Agora pretendem partir para a conquista de acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), não só com o açaí, mas com outras produções alimentares a partir do plantio de outras frutas, legumes e ervas. E ainda, tendo estreitado relações com a Universidade Federal do Pará (UFPA), a partir da parceria com o curso de engenharia florestal em Altamira, cujos alunos e professores contribuíram nos momentos de capacitação e monitoramento, almejam disseminar a experiência, enquanto alternativa de subsistência e de segurança alimentar, às aldeias vizinhas.

Diretor do curso de engenharia florestal do campus de Altamira, da UFPA, Alisson Reis participou das ações inicialmente desenvolvidas pelo projeto. De acordo com professor, “esse projeto tem sido muito importante para a Aldeia, uma vez que eles já queriam trabalhar e não sabiam como. Esse aporte do Fundo Dema foi fundamental para eles entenderem o processo e passarem a usar esse vegetal na alimentação. Eles estão super empolgados com este projeto bastante assertivo porque tem ajudado muito na segurança alimentar da aldeia”, considera.

Veja fotos do projeto


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[1] No processo de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, o Plano Emergencial foi implementado pela Norte Energia em decorrência do atraso na contratação do Projeto Básico Ambiental do Componente Indígena (PBA-CI). Com duração de 24 meses, o Plano deveria implantar ações de mitigação antes do início efetivo da obra, porém, nada foi cumprido.

[2] Com informações de http://apublica.org/2014/08/em-busca-da-belo-sun/