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27/02/2018
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Notícias
Leitura: 5 minutos

Quilombolas de Laranjituba e África aprovam Protocolo de Consulta

Por Élida Galvão


“O Protocolo vem nos auxiliar, para não termos o mesmo problema de Barcarena. Lá começaram a fazer as bacias sem consultar a população. Se tivessem ouvido os moradores, talvez não tivesse acontecido isso. O Protocolo vem para defender nosso território”. Assustada com o transbordamento de rejeitos tóxicos das bacias da mineradora Hydro Alunorte, no município de Barcarena, a presidente da Associação Quilombola do Baixo Caeté África e Laranjituba (AQUIBAC), Leocádia Oliveira, alerta para a importância da criação do Protocolo de Consulta das duas comunidades que representa, Laranjituba e África, localizadas em Abaetetuba (PA).

A preocupação não é em vão, mais uma vez a população de Barcarena vem passando pelos transtornos da contaminação ambiental no município. Há dois anos o susto veio com o naufrágio de um navio contendo cerca de cinco mil bois vivos e 700 litros de combustível, contaminando o rio, o solo e lençóis freáticos. Há duas semanas outra situação tem tirado o sono dos moradores com a gravidade da contaminação devido o vazamento de rejeitos da barragem, confirmada pelo Instituto Evandro Chagas.

| Jovens de Laranjituba levam informações a comunidades vizinhas com a rádio implantada com o apoio da FASE   


O que Leocádia coloca está relacionado com a preocupação em defesa do território em que vive. Atualmente existe uma projeção do governo do estado para a construção da Ferrovia Paraense (FEPASA), ligando o Sul do Pará ao Norte do estado para facilitar o escoamento da produção mineral. “Esse tipo de empreendimento é que a gente quer evitar que seja feito aqui, que são construção de ferrovias, instalação de grandes portos, mineroduto. A ideia desses empreendimentos é atravessar as comunidades quilombolas. E o protocolo é um instrumento de resistência, de não permitir que isso aconteça (…) É um documento importante, de defesa do território, da vida comunitária que vocês têm aqui”, disse Guilherme Carvalho, coordenador da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), entidade que tem acompanhado as famílias de Laranjituba e África nesse processo.

Em defesa do território

Logo de manhã cedo, a rádio comunitária já anunciava a assembleia que ocorreria no período da tarde. No ar, os jovens Vinicius e Eduardo chamavam todos os moradores para a reunião do último sábado (24.02). O encontro marcou a aprovação do Protocolo de Consulta de Laranjituba e África, depois de um processo que passou por diversos encontros de formação entre resgate histórico e oficinas de capacitação para a elaboração conjunta do documento.

Compartilhando a experiência de sua comunidade, Abacatal, localizada na região metropolitana de Belém, o jovem quilombola Eduardo Cardoso falou sobre a importância do Protocolo de Consulta diante da ameaça à soberania de seu território com a construção da rodovia Liberdade, um projeto do governo do Pará que tem o objetivo de criar uma rota alternativa para ligar a capital do estado aos demais municípios vizinhos.

| Leocádia, atual presidenta da AQUIBAC, fala sobre a importância do Protocolo de Consulta para a defesa do território


“Nosso Protocolo já está sendo usado porque sofremos muitas ameaças na nossa comunidade. Isso pode destruir a nossa comunidade. Já estamos sendo consultados pelo Plano Diretor do município de Ananindeua e o Protocolo nos defende de futuros projetos que possam atingir a comunidade ou ao redor dela. Se não fosse o Protocolo, estas consultas não estariam acontecendo”, avalia Eduardo.

Para o educador da FASE, João Gomes, este é um passo importante na história de luta de Laranjituba e África. Exemplificando a conquista de outras comunidades quilombolas que construíram seu Protocolo de Consulta ou que estão neste processo, como Pirocaba, Abacatal, Jambuaçu e São Lourenço, além do Protocolo dos indígenas Munduruku, João explica que a consulta deve ser prévia, livre e informada, como determina o tratado internacional do qual o Brasil é signatário. “As grandes obras atingem povos indígenas e comunidades tradicionais. A partir da Convenção 169 da OIT, estas populações passaram a ter reconhecida a sua autodeterminação. Portanto, são vocês que vão dizer o que é melhor para vocês e com isso têm que ser consultados. A consulta é mais do que ser ouvido, é pedir permissão a vocês”.

Consulta prévia

A aprovação do Protocolo de Consulta de Laranjituba e África ocorre no momento em que uma ação conjunta entre o Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado do Pará, a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado pede a revogação do Decreto nº 1969, de 24 de janeiro de 2018, que trata da criação de um grupo de trabalho para regulamentar a realização de consultas prévias, livres e informadas para comunidades tradicionais.

Ocorre que a Consulta Prévia é um direito com força de Lei, em vigor no Brasil desde 2004, com a assinatura da Convenção 169. Dessa forma, nenhuma medida, nem mesmo legislativa, que venha afetar povos e comunidades tradicionais pode ser tomada sem consulta prévia. Portanto, ao decreto em si já se traduz em violação de direito, já não considera a participação de indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais.  

Morador da comunidade África, Evaristo Moraes, fala sobre a forma comunitária em que vive, um modo de vida que considera o respeito à coletividade. “Aqui a nossa vivência [no território] é muito diferente. Aqui não temos muros. Cada um passa ao lado da casa do outro, mas cada um respeita o espaço do outro. Não é só o capitalismo que impera. Aqui a gente vive em sistema de troca, um vizinho empresta para o outro o que necessita”.

| A assembleia aprovou por unanimidade o Protocolo de Consulta que estabelece as regras para a consulta prévia


Em meio à assembleia de aprovação da Consulta seu Albertino Moraes destaca a necessidade de utilizar os instrumentos de comunicação para fortalecer a luta em defesa do território. Para ele, é preciso intensificar a divulgação do Protocolo para as comunidades passem a ser consultadas, fortalecendo, assim os seus direitos.

“Esse protocolo de consulta não é mais do que um documento para fortalecer os nossos direitos. Não somos nós que temos que consultar esses grandes empresários. Eles que têm que se consultar conosco sobre o que podem e o que não podem implantar dentro de nossos territórios. Para isso nós estamos aqui criando esse protocolo de consulta para que os nossos direitos sejam ouvidos e vistos nos jornais, na imprensa. Temos o benefício dessa rádio [comunitária] que vem divulgar nas comunidades sobre o que tá acontecendo”.  

Representante da Coordenação das associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), Aurélio Borges esteve presente na reunião que aprovou o Protocolo de Consulta após a leitura coletiva do documento. “Todos os dias temos violações de direitos. As empresas, os empreendimentos estão nos nossos territórios com estudos prontos, com mapa pronto. E agora mais do que nunca temos que nos unir. Queremos ser consultados. Não queremos negociar com o Governo, queremos tomar decisões sobre o nosso território”, argumenta.

Apoio Fundo Dema

Em apoio à defesa do território das comunidades Laranjituba e África, o Fundo Dema, em parceria com o Fundo Amazônia, contribuiu no desenvolvimento do projeto ‘Quilombolas do Baixo caeté Fortalecendo a Defesa do território, a Agroecologia com o Manejo Sustentável da Floresta’, pela AQUIBAC, voltado à promoção de práticas produtivas de base agroecológica para o desenvolvimento sustentável e a defesa do território.

Com isso, por meio de três mutirões, as famílias das duas comunidades realizaram o manejo de nove hectares, o que corresponde a 60% da floresta de área coletiva. E com o uso de GPS fizeram a demarcação dos limites dos dois quilombos, de seus igarapés, áreas de preservação permanente e de trabalho coletivo. De acordo com as famílias, o projeto abriu novas perspectivas na discussão do Plano de uso do território como instrumento de defesa dos bens comuns.


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