Notícias

10/04/2018
Por: Equipe Fundo Dema
Assunto: Notícias
Leitura: 5 minutos

Quilombolas trocas experiências

Por Élida Galvão


O município de Gurupá, na mesorregião do Marajó, foi destino de um grupo formado por seis quilombolas do estado do Pará. A atividade proporcionou troca de experiências e de conhecimento entre comunidades tradicionais, com o objetivo de dialogar sobre formas organizativas, compartilhar saberes e fortalecer estratégias de resistência.

O grupo visitou três comunidades quilombolas durante a viagem ocorrida no período de 27 de fevereiro a 02 de março, entre as quais: Carrazedo, Jocojó e Gurupá Miri. Apoiadas pelo Fundo Dema, por meio de projetos envolvendo a produção agroecológica de farinha, essas comunidades estão localizadas em um território de ricos recursos naturais, com denso ambiente florestal e aquífero, mas também de intensa incisão do agronegócio.

A atividade foi muito mais do que uma simples vivência, ela provocou reflexão sobre as alternativas de resistência. Apesar de muitas diferenças entre as famílias, como o modo de produzir e a forma como é transportada a colheita, por exemplo, as lutas histórias convergiram para uma identidade coletiva.

Agroecologia na produção de farinha

Desenvolvidos pela Associação dos Remanescentes de Quilombo do Jocojó (ARQJO) e pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Município de Gurupá (ARQMG), os dois projetos de mesmo nome ‘Casa e Forno de Farinha Ecológico e Eficiente’, apoiados pelo Fundo Dema, centraram seus esforços na construção de fornos ecológicos em 11 comunidades, envolvendo Carrazedo, Gurupá Miri e Jocojó, beneficiando diretamente mais de 150 famílias.

Responsável pela subsistência de mais de 500 famílias na região, a produção de farinha é considerada uma arte centenária que vem atravessando gerações. Plantar, cultivar, colher, descascar, ralar, prensar, esfarelar e torrar a mandioca faz parte do processo produtivo da farinha. Além disso, a atividade retrata, a cultura local e dá vivacidade à história étnica de homens, mulheres, idosos, jovens e crianças que tradicionalmente pertencem àqueles territórios.

Para que a mandioca vire a farinha torrada, é necessário leva-la esfarelada a um forno aquecido à alta temperatura. A forma mais difundida neste processo é torração em fornos de barro, com a combustão de lenha ou carvão vegetal, provocando baixa eficiência energética por conta do aproveitamento incompleto da madeira, além de necessitar de maior consumo de lenha para a queima.

De forma a qualificar a produção da farinha, as associações quilombolas atuaram na construção dos chamados fornos ecológicos. Esta alternativa passou a reduzir em 50% a necessidade de queima da lenha. Isso porque, por serem totalmente fechados, os fornos conseguem chegar a maiores temperaturas em menor tempo. Além disso, a conversão da fumaça por uma chaminé evita casos de doenças provocadas pelo vapor.

“Lá na comunidade de Jocojó a gente visitou duas casas de farinhas e lá a gente viu que as famílias estão realmente satisfeitas, tão usando a casa de farinha da forma que foi colocado, e a gente conversou e eles disseram que foi uma coisa ótima pra comunidade porque diminuiu o gasto de luz, e também diminuiu a fumaça que prejudicava a vista, não fica muito exposto a quentura, a produção de farinha aumentou, que as vezes eles ficavam o dia todo pra produzir um pouco de farinha, agora com a casa de forno assim eles produzem mais”, observou Francisca Gama, da comunidade Açaiteua, no município de Irituia.

Trocas de experiências

Ao vivenciar a forma de trabalho dos quilombolas do Marajó, as formas tradicionais de trabalho chamaram bastante atenção do grupo visitante. Descrevendo a imagem do carregamento do material e a distância entre a casa de farinha e o centro da comunidade, Odilon Trindade fala com orgulho sobre o progresso tecnológico com o qual possibilita as famílias de sua comunidade transportarem a farinha produzida sem tanto desgaste físico.

“É muito longe pra eles trabalharem, não tem um meio de transporte, eles carregam na costa, e andam de 1h a 1h30 com o paneiro nas costas para carregar o produto deles […] Na minha comunidade, até pra fazer a roça a gente tem um transporte pra chegar lá, na costa do burro, na carroça do boi, pra trazer o produto lá do roçado – a mandioca, o milho, o arroz –, a gente traz tudo na costa do animal, na carroça do animal e pra trazer a mandioca pra casa de farinha a gente traz em trator, a gente aluga. Até falamos pra ele que tem 23 anos que não carrega paneiro na minha costa, sou quilombola, não sou mais escravo”, disse Odilon, que mora na comunidade Santa Luzia do Bom Pastor, no município de Moju.

As trocas de informação sobre a difusão de novas tecnologias foram bastante discutidas entre eles, porém, com o cuidado de não provocar mudanças bruscas nas relações sociais e culturais das comunidades, como a introdução do forno elétrico na produção de farinha, por exemplo. Segundo Odilon, depois que passaram a usar forno elétrico, as famílias começaram a produzir maior quantidade de farinha em pouco tempo. “A gente perguntou pra eles quantos sacos de farinha eles produziam, eles falaram que produziam 5 sacos, 15 na semana e eu falei que 15 sacos de farinha a gente faz em três horas de tempo na minha comunidade, 15 pacotes de farinha vai da­r 7 sacas e meia, três fornadas de farinha, menos de meia diária pra fazer isso”.

Madeireiras ameaçam o território

Reconhecidos pelo Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e pela Fundação Palmares, os territórios quilombolas representados pela ARQMIG e ARQJO acabam se tornando bastante atraentes para empresas madeireiras. De olho nas extensas áreas florestais, frente à regularização fundiária, uma grande empresa exportadora de madeira passou a incidir na política fundiária das comunidades por meio de contratos firmados de exploração e execução de manejo florestal sustentável, que determina prazos e regras a serem cumpridas por ambas partes. As regras preveem a aceitação da exploração de uma certa quantidade de madeira no território, em troca de compensações, sejam financeiras, sejam de serviços, para a comunidade, os chamados Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA).

Ocorre que esta prática aliciadora das empresas interfere na autonomia e nos modos de vida das comunidades, que durante o período de contrato ficam desautorizadas a fazer qualquer derrubada. Esta prática passa a ser exclusiva da empresa. “Enquanto não acabar esse período o contrato não pode ser desfeito. Se desfizer, a associação paga uma multa alta”, diz Aurélio Borges, da coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (MALUNGU).

Para Aurélio, este tipo de acordo provoca grande acomodação dos quilombolas sobre a ofensiva do agronegócio, além de torna-se uma ameaça aos seus direitos sobre o território. “Eu percebi que as famílias recebem um valor mensal pelo projeto e que talvez, por causa disso, algumas não estejam muito preocupadas com a produção [familiar]. É uma preocupação, porque a gente sabe que esse projeto vai acabar, e quando acabar do que essas famílias vão viver?”, complementa Iraci dos Santos, da comunidade Santa Rita das Barreiras, no município de São Miguel.  

Projeto Intercâmbio

O Projeto ‘Intercâmbio de experiências de gestão socioterritorial e de fundos de pequenos projetos na Pan Amazônia: o Fundo Dema na promoção de práticas sustentáveis’, é resultado da parceria entre a Fase Programa Amazônia/Fundo Dema e a Fundação Ford, com o objetivo de ampliar conhecimentos e efetuar trocas de experiências acerca da produção de alimentos saudáveis, gestão territorial, recuperação de áreas degradadas e sistema agroflorestal, por meio de intercâmbio nacionais e internacionais realizados entre grupos, envolvendo integrantes do Comitê Gestor do Fundo Dema, integrantes de projetos por este apoiados e lideranças comunitárias, para fortalecer as resistências frente ao modelo desenvolvimento pautado na degradação socioambiental e desterritorialização.